A ADOLESCÊNCIA

31-05-2011 21:58

 

A adolescência é uma época da vida humana marcada por profundas transformações fisiológicas, psicológicas, pulsionais, afectivas, intelectuais e sociais vivenciadas num determinado contexto cultural.
Mais do que uma fase, a adolescência é um processo com características próprias, dinâmico, de passagem entre a infância e a idade adulta.
 
“Nós rejeitamos a ideia comum de que a adolescência é exclusivamente uma preparação para a vida adulta… os adolescentes são pessoas com qualidades e características específicas, que têm um papel interventivo e responsável a desempenhar, tarefas a realizar e capacidades a desenvolver, num momento particular da vida”.
Konopka, G., citada por Sprinthall e Collins, op. cit., p. 93
 
Conceito recente, suscita, na segunda metade do século XX, grande profusão de investigações em áreas diversificadas: Psicologia, Sociologia, História, Antropologia, Medicina...
O primeiro livro – Adolescence – dedicado ao estudo psicológico da adolescência foi escrito pelo americano Stanley Hall, em 1904. Segundo este autor, o adolescente opunha-‑se à criança pela intensa vida interior, pela reflexão sobre os sentimentos vivenciados. Era uma visão conflitual e que negligenciava os factores socioculturais, que vieram posteriormente a ser considerados como fundamentais. As características da adolescência eram, segundo o autor, predeterminadas biologicamente.
 
Uma das dificuldades do conceito de adolescência advém da delimitação etária deste período, pois existem diferenças entre os contextos culturais, géneros masculino/feminino, meios geográficos, condições socioeconómicas.
Além disso, no mesmo meio encontramos grandes variabilidades de indivíduo para indivíduo: há puberdades muito precoces, outras são muito tardias. Por outro lado, uma mesma pessoa tem diferentes ritmos de maturação. Há indivíduos com um pensamento operatório formal, mas sem características pubertárias; enquanto que poderemos encontrar transformações fisiológicas precoces em crianças emocional e intelectualmente pouco amadurecidas: “Cada um tem uma maneira própria de evoluir”, diz Maurice Debesse.
 
Se se pode afirmar que a adolescência começa com a puberdade, já não é tão fácil dizer quando termina. Dizer que a adolescência acaba quando se passa a “ser jovem adulto” é, na sociedade contemporânea ocidental, difícil de definir. Essa “definição” passa pelo entrecruzamento de factores biológicos, afectivos, socioculturais, geográficos.
Será importante relevar que a adolescência se define vulgarmente pela negativa: o adolescente já não é criança e ainda não é adulto.
A ambiguidade e as dificuldades na definição do conceito são agravadas pela existência de preconceitos, reflectidos nas frases feitas do senso comum e que são impeditivas da compreensão dos adolescentes. São comuns expressões do tipo: “idade do armário”, “idade da parvoíce”, “idade da caixa”, “a idade mais maravilhosa”, “estar na fase”.Simultaneamente, encontramos representações sociais que quase associam o jovem a vandalismo, marginalidade, delinquência, droga.
A puberdade muda o corpo, a mente e os afectos da criança. Os adolescentes entram numa nova fase existencial, banhados por novas pulsões, novas sensibilidades, novas capacidades cognitivas, novas dificuldades nos seus pontos de referência.
A adolescência é um espaço/tempo onde os jovens através de momentos de maturação diversificados fazem um trabalho de reintegração do seu passado e das suas ligações infantis, numa nova unidade. Esta reelaboração deverá dar capacidades para optar por valores, fazer a sua orientação sexual, escolher o caminho profissional, integrar-se socialmente. Este processo de crescimento faz-se também com retrocessos (às vezes dá vontade de voltar a ser criança), este crescer faz-se sozinho, com o melhor amigo, com e contra os pais, com os outros adolescentes e com os outros adultos.
Existem muitas adolescências, conforme cada infância, cada fase de maturação, cada família, cada época, cada cultura, cada classe social.
 
Adolescências
 
A ambivalência da adolescência relaciona-se com as transformações globais que ocorrem no indivíduo e que tornam este nível etário de difícil compreensão: pelos outros e pelos próprios. Coabitam, nesta fase, desejos ambivalentes de crescer e de regredir, de se sentir ainda criança e já adulto, de autonomia e de dependência, de ligação ao passado e de vontade de se projectar no futuro.
A sociedade de consumo em que vivemos faz da juventude um público-alvo de exploração: há cada vez mais produtos dirigidos ao adolescente. São cada vez mais significativas as camadas de jovens que detêm – directa ou indirectamente – poder de compra. Os jovens são, hoje, consumidores efectivos.
O actual período de escolaridade, na nossa sociedade, prolongou-se no tempo, o que torna o adolescente familiar e socialmente dependente; contudo, são-lhe exigidas, ao mesmo tempo, autonomia e responsabilidade. Esta situação reflecte-se em expressões que são contraditórias e paradoxais. O mesmo adulto pode dizer ao mesmo adolescente: já não és criança, tens idade para ser responsável; ainda não tens idade para saberes o que queres. E o adolescente reconhece e sente bem esta ambivalência. A fragilidade sentida pode estimular surtos regressivos, alienações, comportamentos associais, dificuldades várias. Para muitos autores, o mal-estar sentido pelos jovens, na sociedade actual, tem a ver com a indefinição do seu estatuto social.
 
No entanto, a adolescência não é obrigatoriamente uma fase perturbada, até porque grande parte dos problemas são ultrapassados na passagem para jovem adulto.
A adolescência não pode ser compreendida sem se ter em conta os aspectos psicológicos, físicos, cognitivos, socioculturais e económicos. A antropologia, a sociologia e a história mostram que o modo como se vive e manifesta a adolescência varia, sendo esta muito influenciada pelo meio sociocultural.
Muitas sociedades primitivas estruturam a passagem para o mundo adulto através de ritos iniciáticos que dão as regras e legitimam essa passagem. O texto que a seguir transcrevemos aborda esta questão.
“Na maior parte das sociedades primitivas existem cerimónias, estranhas aos olhos dos ocidentais, que introduzem os adolescentes na sociedade dos adultos. (...) Estes ritos podem ser de curta duração ou desenrolar-se durante vários anos; podem realizar-se por ocasião de uma cerimónia simples ou exigir manifestações importantes, que necessitem de construções especiais e de longos preparativos, podem ser celebrados durante uma festa alegre ou em cerimónias impressionantes que implicam provas perigosas, ridicularizações físicas e toda uma cirurgia ritual como a limagem dos dentes, as escarificações, a circuncisão, etc. (...).
A literatura etnológica revela a existência, em variadíssimas tribos, de rituais pubertários em que a ideia de renascimento, quer seja através da reprodução simbólica do nascimento ou de um psicodrama muito complicado, ocupa um lugar central (...). O acesso a uma vida nova no termo da iniciação é, muitas vezes, reforçado pela atribuição de um nome novo, diferente do da infância, ou pela reaprendizagem dos gestos outrora familiares (...).
A iniciação introduz o adolescente no domínio das regras sociais e culturais e assegura o reconhecimento por parte dos outros membros da sociedade.
 
CLAES, M., Os Problemas da Adolescência, Verbo, 1990, pp. 36-46
 
A adolescência começa com as transformações pubertárias e termina com a construção de uma autonomia e aquisição de identidade, capacidade de suportar tensões e contrariedades, de elaborar projectos de vida e de inserção social.
Ao terminar a adolescência, o jovem tem o sentimento de individualidade e compreende o seu papel activo na orientação da sua vida, tomando decisões e aceitando compromissos.
Ele cumpriu determinadas tarefas como afirmação da identidade pessoal, sexual e psicossocial, bem como a interiorização de normas sociais e a aquisição de uma autonomia. A aquisição legal de autonomia (maioridade) contribui para datar o fim desta etapa da vida.
Como diz Horrocks, citado por Claes (op. cit., pp. 48-49): “A adolescência termina quando o indivíduo atinge a maturidade social e emocional e adquire a experiência, a habilidade e a vontade requeridas para assumir, de maneira consistente, o papel de um adulto, que é definido pela cultura em que vive.”
 
Apesar de todos os problemas inerentes ao conceito de adolescência e das variações individuais, podemos dizer, de forma genérica, que esta etapa existencial, na nossa cultura actual, abrange um período entre os 12-13 anos e os 18 anos.
 
Adolescência e desenvolvimento
 
Aspectos fisiológicos
 
Numa fase de pré-puberdade, que dura mais ou menos dois anos, ocorrem mudanças corporais (caracteres sexuais secundários) que preparam as transformações fisiológicas da puberdade, isto é, a possibilidade de ejaculação e a menstruação.
Os órgãos sexuais entram em funcionamento e são estas modificações que vão marcar a sexualidade adolescente por uma genitalidade e possibilitam a capacidade da função reprodutora.
São muitas as transformações que ocorrem durante a puberdade. Nos rapazes aparecem pêlos nas pernas, no peito, nos braços, nas axilas e na região púbica. A voz muda e aparece a barba. O pénis cresce e a sua pele fica mais escura; os testículos aumentam.
Nas raparigas as ancas alargam e os seios aumentam; aparecem pêlos nas axilas e na zona púbica. Os órgãos genitais crescem e a sua pele escurece.
Nos rapazes e nas raparigas aumenta a transpiração e o odor corporal modifica-se. Aumenta a altura e o peso; o cabelo e a pele tornam-se mais gordurosos podendo aparecer temporariamente seborreia e acne.
Outras maturações físicas acontecem durante a adolescência, como a ossificação da mão que se completa, um aumento do tamanho do coração e dos pulmões.
Existe, entre as raparigas e os rapazes, cerca de um ano e meio de diferença na idade média de chegada à puberdade (12/13 anos e 13/15 anos). Esta diferença está relacionada com a estatura, que é, estatisticamente, mais elevada nos rapazes. Regra geral, só se cresce significativamente cerca de cinco anos após a puberdade. Assim, se o processo pubertário é mais precoce nas raparigas, elas deixam de crescer mais cedo.
As transformações que ocorrem na puberdade são da responsabilidade do sistema endócrino. São as hormonas segregadas pelas glândulas sexuais (estrogénios e progesterona nas mulheres e testosterona nos homens) que vão causar as transformações corporais que acabámos de descrever.
 
Aspectos afectivos
As transformações corporais levam o jovem a voltar-se para si próprio, procurando perceber o que se está a passar, para se entender mais profundamente enquanto pessoa.
Escrever um diário, isolar-se, ter devaneios, solilóquios, pintar ou tocar música correspondem a necessidades interiores e podem contribuir para melhor se conhecerem e desenvolverem emocionalmente. Alguns adolescentes fecham-se muito sobre si próprios, comunicando pouco com os adultos.
O melhor amigo, do mesmo sexo, tem, para muitos adolescentes, uma função muito importante, pois pode encontrar algumas respostas para várias inquietações: Serei normal?; Como vai ser o futuro?; Sou o único a sentir as coisas desta maneira?…
Os adolescentes vivem, em geral, com grande ansiedade as transformações do seu corpo. É muito comum não apreciarem, temporariamente, algumas das suas características físicas: o cabelo, o nariz, a pele, os pés, o peso, a altura… Estes sentimentos são tanto mais inesperados quanto as crianças se sentiam bem no seu corpo antes das transformações pubertárias. O adolescente tem de assumir uma imagem corporal sexualizada, o que nem sempre é fácil.
Haverá que distinguir as transformações fisiológicas com a sua aceitação psicológica. A forma como cada um se autopercepciona (o autoconceito) e o modo como gostamos de nós (a auto-estima) são muito influenciados pelo meio em que se vive, a maneira como se é representado e aceite pelos outros.
Na sociedade contemporânea a moda exerce, frequentemente, uma certa tirania sobre os jovens, padronizando estilos que não se coadunam a todos os corpos.
Alguns jovens sentem necessidade de se afirmarem como diferentes. Assim, a “crise de originalidade” que alguns atravessam tem expressão na forma de vestir, na linguagem, na actividade artística, nas atitudes e comportamentos.
Podemos dizer que muitos jovens são hipersensíveis, que existe uma fragilidade e agressividade que se manifestam em súbitas mudanças de humor. São, assim, frequentes as crises de choro, os estados de euforia, de melancolia. As grandes e globais transformações causam uma tensão que se traduz em impulsos não controlados.
A incompreensão de que muitas vezes se sentem vítimas é, frequentemente, uma projecção da sua própria dificuldade em se compreenderem intimamente.
Na adolescência, os modelos de identificação deixam de ser os pais para passarem a ser os jovens da mesma idade, o grupo de pares, num processo de autonomia, de individuação.
Muitas das duras críticas por vezes tecidas aos pais estão relacionadas com este percurso interno de individuação do adolescente, de que não têm consciência. Em certos casos, o adolescente pode sentir um vazio, sentir-se desprotegido, perturbado, sem compreender os seus afectos.
 
Aspectos intelectuais
 
A adolescência é uma fase em que se obtém uma maturidade intelectual. O pensamento formal vai abrir novas perspectivas; exercitá-lo é pôr-se questões, é problematizar jogando com as várias perspectivas dos assuntos, é aprender, é criticar, é interrogar o futuro e a sociedade1.
 
Dá-se um alargamento das perspectivas temporais. “Vai ser possível pensar o futuro e pensar no futuro”.
O raciocínio hipotético-dedutivo é, no desenvolvimento psicossocial, uma arma poderosa nas opções profissionais, nos caminhos que aspiram, na construção de projectos de futuro.
O exercício destas novas capacidades cognitivas de abstracção, de reflectir antes de agir, pode permitir uma distância relativamente aos conflitos emocionais.
O gosto pela fantasia e pela imaginação, pelo debate de valores, leva a uma melhor compreensão de si próprio e do mundo. Há uma exigência de coerência nas discussões intermináveis, no questionar dos problemas e nos argumentos expressos na defesa de uma filosofia de vida, que são importantes na formação de ideias próprias.
Esta mudança intelectual da adolescência vai, pois, permitir construir o “seu sistema pessoal”, como diz Piaget. Existe como que um reaparecimento do egocentrismo. Mas trata-se agora de um egocentrismo intelectual – sente-se o centro e as suas teorias sobre o mundo aparecem como as únicas correctas.
Como consequência do egocentrismo intelectual o adolescente pode sentir-se alvo dos olhares e atenções dos outros.
 
Aspectos sociomorais
 
Durante a adolescência, o jovem vai interessar-se por problemas éticos e ideológicos, debate-os, faz opções e constrói valores sociais próprios. A lealdade, a coerência, a justiça social, a liberdade, a autenticidade são alguns dos valores mais defendidos, o que, frequentemente, faz com grande radicalidade.
Os adolescentes revoltam-se, frequentemente, quando descobrem que a sociedade não se coaduna com as aspirações e valores que defendem. Eles desejam, quase sempre, uma perfeição moral e expressam um grande altruísmo.
As novas capacidades cognitivas de reflexão e abstracção e o poder de jogar mentalmente com várias hipóteses (raciocínio hipotético-dedutivo) permitem-lhes debater ideias, apreendendo a complexidade dos valores sociomorais, bem como construir uma teoria própria sobre a realidade social.
A adolescência está ligada a um novo estatuto e papel na comunidade, daí a sociedade exercer uma nova socialização com novas formas – consciente e inconscientemente exercidas –, como temos vindo a referir.
No entanto, se, no decorrer e no final da adolescência, se obtém uma maturação fisiológica, afectiva e intelectual, em contrapartida não se obtém, regra geral, uma maturação social. São hoje muito referenciados os problemas sobre a aquisição de estatuto de “jovem adulto” e a sua relação com o prolongamento do tempo de escolaridade e a crise de desemprego.
A forma como se vive a adolescência não só está relacionada com a infância como com o meio comunitário envolvente nas suas dimensões geográficas, económicas e socioculturais. A adolescência está também relacionada com a forma como se fez a aprendizagem da vida social e como se participou na vida cívica.
Este facto faz-nos levantar questões sobre o papel jogado pela sociedade actual no processo de adolescência. Uma sociedade concorrencial, violenta, consumista, dificilmente se oferece como meio de vida estruturante, que se abra sobre agradáveis horizontes, facilitando a construção de projectos de futuro.
Concluímos com um texto a que poderíamos atribuir o título: Adolescência tempestuosa: mito ou realidade?
“Precede a puberdade invariavelmente uma adolescência tempestuosa e rebelde? Em determinada altura, considerava-se que muitas crianças, ao entrarem na adolescência, iniciavam um período de grande tensão e infelicidade, mas os psicólogos constatam agora que essa caracterização era, em grande medida, um mito. Muitos jovens, segundo parece, passam pela adolescência sem perturbações apreciáveis nas suas vidas
(Peterson, 1988; Steinberg, 1993).
O que não quer dizer que a adolescência seja completamente tranquila (Eccles et al., 1993; Laursen & Collins, 1994). Existe claramente um aumento de discussões e tensões em muitas famílias. Os adolescentes, como parte da sua busca de identidade, tendem a experimentar uma certa tensão entre as suas tentativas de se tornarem independentes dos seus pais e a sua dependência efectiva deles. Poderão adoptar um conjunto de comportamentos que os seus pais, e mesmo a sociedade como um todo, poderão considerar impróprio. Felizmente, contudo, para a maioria das famílias, essas tensões tendem a estabilizar durante a adolescência média – cerca dos 15, 16 anos – e diminuem eventualmente cerca dos 18 anos (Montemayor, 1983; Galambos, 1992).”
 
Feldman, R., Understanding Psychology, McGraw-Hill, 1996, p. 440
 
Construção da identidade
 
A adolescência é uma fase importante no processo de consolidação da identidade pessoal, da identidade psicossocial e da identidade sexual.
Erik Erikson diz-nos que o sentimento de identidade é o sentimento intrínseco de ser o mesmo1 ao longo da vida, atravessando mudanças pessoais e ocorrências diversas.
Os adolescentes vão, através de uma crise potenciadora de energias, confrontar-se com esta problemática identitária (5.a idade – Identidade vs Difusão/Confusão). É também com uma certa desorientação entre avanços, hesitações e recuos que se fazem importantes experimentações de afirmação do ego, na construção de identidade.
Para além de uma certa confusão pela qual quase todos passam, existem por vezes situações (que também podem ser temporárias), como difusões/confusões agudas de identidade, adolescências retardadas e prolongadas, inibições, perturbação de valores, assim como podem ocorrer crises neuróticas e psicóticas caracterizadas por um isolamento psicossocial profundo e mecanismos defensivos.
Cada um de nós constrói o seu eu através de “outros significativos”, das interacções relacionais, reais e fantasiadas. A identidade constrói-se nas experiências vividas através de um subtil jogo de identificações.
Se na infância os nossos modelos identificatórios são os pais, na adolescência vão ser os jovens da mesma idade. As relações com os pais têm que mudar para que os adolescentes possam ascender a ideias e afectos próprios.
A amizade é muito investida ao nível dos afectos. O melhor amigo do mesmo sexo é normalmente alguém com quem se partilham grandes inquietações.
É como um espelho estruturante onde o adolescente se reconhece reflectido, onde se vê crescer.
O grupo de pares pode ter como função apresentar modelos de identificação positiva para o adolescente. Erikson refere a certeza que o grupo pode trazer às incertezas do adolescente. No entanto, pode apresentar alguns riscos negativos, sobretudo quando a relação com o grupo é de grande dependência.
Numa época da vida em que se buscam outros universos para além dos familiares e em que as figuras parentais são tanto mais importantes quanto têm que ser reelaboradas as relações pais-filhos e com as quais há muitas vezes conflitos, existe a necessidade de outros adultos significativos. A escola, para além de um mundo de jovens, é também um mundo de adultos: os professores, os empregados, as personagens dos livros, os outros pais (de quem os colegas falam…).
Nós olhamo-nos com os olhares que nos olham, com os olhares que trocamos. A construção da identidade passa por um processo de identificação e por um processo de diferenciação.
Neste universo interactivo, numa cultura jovem, constroem-se certos estereótipos grupais e sociais. Os heróis têm, no processo de identificação de alguns adolescentes, um papel relevante, oferecendo imagens poderosas, cultivadas colectivamente.
No final da adolescência o jovem obtém uma “identidade realizada”, ele será capaz, como diz Erikson, de sentir uma “continuidade interna” e “uma continuidade do que ele significa para as outras pessoas”. Ele entende-se no seu percurso de vida.
 
Moratória psicossocial
 
Outro dos conceitos eriksonianos importantes é o de moratória psicossocial. Esta moratória é “um compasso de espera nos compromissos adultos”. É um período de pausa necessária a muitos jovens, de procura de alternativas e de experimentação dos papéis, que vai permitir um trabalho de elaboração interna. Antecipa-se o futuro, exploram-se alternativas, experimenta-se, dá-se tempo…
As moratórias são caracterizadas pelas necessidades pessoais, mas também por exigências socioculturais e institucionais. “Cada sociedade e cada cultura institucionalizam uma certa moratória para a maioria dos seus jovens.”
“As instituições sociais amparam o vigor e a distinção da identidade funcional nascente, oferecendo aos que ainda estão aprendendo e experimentando um certo status da aprendizagem uma moratória caracterizada por obrigações definitivas e competições sancionadas, assim como por uma tolerância especial.”
ERIKSON, E. H., op. cit., 1976 (b), p. 157
 
Também se pode considerar como moratória sexual-afectiva o tempo de namoro, dos flirts, dos pequenos e grandes investimentos amorosos, que permitem vivências e experiências antes de se definirem orientações sexuais e de se poderem fazer escolhas amorosas para uma ligação perspectivada com certa estabilidade e durabilidade.
Muitos adolescentes têm uma evolução “truncada” por terem entrado de forma demasiado rápida na vida adulta, sem se terem permitido um amadurecimento interior.
Erikson, preocupado com as interacções com o meio envolvente, falou na importância de o jovem ser “reconhecido socialmente” no sentido do seu estatuto. Refere ainda muitos comportamentos marginais como tentativas de encontrar uma moratória.
Apresentamos-te um texto que te ajudará a compreender melhor o conceito de moratória psicossocial.
“A moratória é, frequentemente, o resultado de uma decisão difícil e deliberada de dar uma trégua às preocupações habituais, tais como as da escola, da universidade ou do primeiro emprego. O objectivo consiste em fazer uma pausa, no sentido de o indivíduo poder explorar, de um modo mais completo, quer o próprio eu psicológico, quer a realidade objectiva. A diferença aparente entre a moratória e a difusão pode parecer muito subtil; todavia, vistas bem as coisas, essa diferença é bastante grande. Na moratória existe uma verdadeira procura de alternativas, e não apenas uma espera prolongada, até que surja a oportunidade certa. O indivíduo sente uma grande necessidade de se testar a si próprio, numa variedade de experiências, no sentido de obter um conhecimento cada vez mais pormenorizado do seu eu. Os compromissos são, temporariamente, evitados, com base em razões legítimas: ‘Preciso de mais tempo e experiência, antes de me dedicar inteiramente a uma carreira, como, por exemplo, a medicina.’ Ou, “ainda não estou preparado para iniciar o doutoramento em História. Existem bastantes coisas desconhecidas que preciso de explorar primeiro.” Desta forma, a moratória não é simplesmente uma fuga às responsabilidades, que possibilita ao indivíduo andar sem destino. Em vez disso, esta fase constitui um processo de procura activa, que tem como objectivo principal prepará-lo para estabelecer compromissos. A própria vida de Erikson, como documenta a sua biografia, contém uma moratória muito significativa, assim como dedicação ainda maior a uma causa. Erikson talvez afirmasse que uma derivou da outra.”
SPRINTHALL, N. e COLLINS, A., Psicologia do Adolescente, F. C. Gulbenkian, 1994, pp. 213-214
                     
Concluímos o tema da adolescência com o extracto de um livro de Françoise Dolto e a sua filha Catherine, Palavras para Adolescentes ou o Complexo da Lagosta, onde a adolescência é encarada como um segundo nascimento.
Aconselhamos-te a ler o livro mas para já deixamos-te este extracto para analisares.
 
“A adolescência é o período de transição que separa a infância da idade adulta, tendo por centro a puberdade. Em boa verdade, os seus limites são fluidos.
Aquilo a que mais se assemelha é, sem dúvida, o nascimento. No nascimento, separam-‑nos da nossa mãe cortando-nos o cordão umbilical, mas esquecemo-nos frequentemente de que entre a mãe e o filho havia um órgão de ligação extraordinário: a placenta. A placenta dava-nos tudo aquilo que era necessário à nossa sobrevivência e filtrava muitas substâncias perigosas que circulam no sangue materno. Sem ela, não era possível a vida antes do nascimento, mas à nascença  há, em absoluto, que a abandonar para viver.
A adolescência é como um segundo nascimento que se cumprirá progressivamente. Há que abandonar pouco a pouco a protecção familiar como um dia se abandonou a placenta protectora. Abandonar a infância, fazer desaparecer em nós a criança, é uma mutação. Dá por momentos a sensação de se morrer. Tudo é rápido, por vezes, demasiado rápido. A natureza trabalha no seu ritmo próprio. Há que prosseguir e nem sempre se está pronto. Conhece-se aquilo que morre, mas ainda se não vê para onde nos dirigimos. Já nada “encaixa” mas não se sabe bem porquê nem como foi. Nada mais é como antes, mas é indefinível.”
Dolto, F. e Totlich, C., Palavras para Adolescentes ou o Complexo da Lagosta, Bertrand, 1991, p. 15
 
PROPOSTA
 O que é ser-se adolescente? (Deixa a tua resposta na caixa dos comentários.)
 

 

André Rocha disse...

Adolescência é a fase do desenvolvimento humano que marca a transição entre a infância e a idade adulta. Com isso essa fase caracteriza-se por alterações em diversos níveis - físico, mental e social - e representa para o indivíduo um processo de distanciamento de formas de comportamento e privilégios típicos da infância e de aquisição de características e competências que o capacitem a assumir os deveres e papéis sociais do adulto.
Os termos "adolescência" e "juventude" são por vezes usados como sinônimos (como em alemão Jugend e Adoleszenz, inglês Youth e Adolescence), por vezes como duas fases distintas mas que se sobrepõem: para Steinberg a adolescência se estende aproximadamente do 11 aos 21 anos de vida, enquanto a ONU define juventude (ing. youth) como a fase entre 15 e 24 anos de idade - sendo que ela deixa aberta a possibilidade de diferentes nações definirem o termo de outra maneira; a Organização Mundial da Saúde define adolescente como o indivíduo que se encontra entre os dez e vinte anos de idade[carece de fontes] e, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece ainda outra faixa etária - dos 12 aos 18 anos. Além disso Oerter e Montada decrevem uma "idade adulta inicial" (al. frühes Erwachsenenalter) que vai dos 18 aos 29 anos e que se sobrepõem às definições de "juventude" apresentadas. Como quer que seja, é importante salientar que "adolescência" é um termo geralmente utilizado em um contexto científico com relação ao processo de desenvolvimento bio-psico-social. Como mais adiante se verá, o fim da adolescência não é marcado por mudanças de ordem fisiológica, mas sobretudo de ordem sócio-cultural; o presente artigo se dedica assim à adolescência em sentido restrito, tomando a idade da maioridade civil - 18 anos - como fim.