A integração da natureza (inato) e do cuidado (adquirido) - A proposta de Anne Anastasi

31-05-2011 22:04

 

Anne Anastasi começa a sua discussão dizendo-nos que o modo como esta dicotomia, a dicotomia entre natureza/cuidadoinato/adquirido se manteve, e mantém, presente em muitos debates e teorias psicológicas se deve em parte às questões que têm sido colocadas pelos autores e investigadores. É frequente, e foi mais frequente ainda no passado, encontrar autores que, buscando respostas para a compreensão e explicação do comportamento humano, recorriam à pergunta “qual?”, orientavam a sua pesquisa de forma a tentarem saber qual dos dois pólos explicava e iluminava a compreensão do comportamento humano. Ao perguntarem "qual?" tais autores encontravam-se imediatamente a assumir os dois pólos como independentes, a assumir que era ou um ou outro o que influenciava o comportamento num ou noutro sentido, que o modo como os indivíduos são ou se comportam se deve a efeitos ou da natureza/inato ou do cuidado/adquirido. Por exemplo, quando se procura explicar o resultado num teste de inteligência, ou de um teste de aptidões, interpretando-os a partir dos resultados obtidos pelos pais ou irmãos (interpretando-o como sendo determinado pela herança genética), ou se procura explicá-lo apenas pela idade (e a maturação do indivíduo); mas também quando se procura explicar o comportamento mais ou menos agressivo de alguém com apenas no facto de viver numa zona onde a violência faz mais ou menos parte do quotidiano, ou no facto de considerar que em algumas situações a agressão é uma resposta legítima, ou por ter visto demasiados filmes e desenhos animados violentos na televisão...
 
Procurar uma resposta determinante no pólo da natureza/inato, por exemplo procurar explicar o comportamento humano inteligente a partir de uma determinada constituição genética, ou de outros factores inatos, é assumir que esta existe independentemente dos contextos em que se expressa, que para a explicação dos comportamentos inteligentes não é necessário compreender a contribuição da educação, ou da socialização, das aprendizagens realizadas pelo indivíduo ou dos contextos em que estas ocorreram. Da mesma forma, buscar a explicação no pólo do cuidado/adquirido para os comportamentos agressivos dos seres humanos é assumir que a influência do ambiente, as influências da educação, das experiências, dos modelos de comportamento aprendidos se dão independentemente das características físicas, corporais e genéticas do ser humano que tem os comportamentos agressivos.
 
Anastasi chama a nossa atenção para a forma como esta assunção é ilógica. Não se pode considerar o pólo da natureza/inato sem se considerar ao mesmo tempo o pólo do cuidado/adquirido, e vice-versa. Sem se considerar o ambiente, os elementos adquiridos e as influências da educação e da socialização não haveria qualquer forma de observar a influência das características biológicas ou inatas: elas só podem ser observadas num ser humano comportando-se, sendo de uma determinada forma, num contexto. Por outro lado, se não se considerarem os seres humanos, com as características físicas e biológicas, quem está presente no contexto, quem aprende e é socializado? O que faz sentido, portanto, é considerar que a biologia, as características genéticas e inatas de um indivíduo, influencia o comportamento num determinado contexto e que o contexto, as aprendizagens possibilitadas, as experiências sociais, influencia o comportamento de um ser também biológico e físico. Os dois pólos, longe de serem independentes um do outro estão sempre interligados, e as suas influências no comportamento humano sempre entrelaçadas. As influências biológicas, físicas, genéticas, maturacionais ou de factores inatos estão sempre presentes em qualquer comportamento assim como o estão as influências da socialização, das características do contexto e os elementos adquiridos. A pergunta “qual?” mostra-se assim desadequada e conduz necessariamente a respostas erróneas.
 
Uma outra pergunta que é por vezes encontrada na base da procura de uma explicação do comportamento humano a partir da dicotomia natureza/inato – cuidado/adquirido é a questão “quanto?”. Quanto de inato ou quanto de genético está na base de um determinado comportamento? E quanto de aprendido ou quanto se deve à socialização, relativamente ao mesmo comportamento? Esta questão pressupõe já que na origem de um determinado comportamento, ou de um modo de ser, estejam influências da natureza/inato e influências do cuidado/adquirido. Os seus efeitos no comportamento em causa são ainda, no entanto, pensados como sendo efectivos por si só, em isolamento – por um lado temos influências hereditárias e de características inatas, por outro lado temos influências da educação ou das experiências e aprendizagens – e de forma independente (os efeitos das influências de um dos pólos não dependem das influências do outro pólo no mesmo comportamento).
 
Poderia por exemplo dizer-se que no que diz respeito à atracção sexual presente entre seres humanos, a atracção que sentem na base da escolha dos seus parceiros, que 30% desta é determinada pelo sua biologia, pelas suas características genéticas, pelo ADN que evoluiu com a espécie e que 70% é determinada pelas aprendizagens realizadas durante a socialização e pelas experiências culturais. O que Anastasi adianta relativamente à pergunta "quanto?" é que esta continua a não permitir uma integração adequada dos dois pólos. Ao responder à pergunta "quanto?" os dois pólos da dicotomia são tidos em conta mas como se o comportamento final fosse a soma de uma influência mais as outras influências. Ora, no comportamento final, por exemplo no comportamento observado de escolha de parceiros e de atracção sexual, influências socioculturais (aquilo que é considerado belo ou atraente, as características mais valorizadas num potencial parceiro, etc.) dependem das características físicas e genéticas das pessoas e populações envolvidas e influenciam também estas (por exemplo ao favorecerem determinadas características elas vão também contribuir para a selecção das características genéticas presentes numa determinada população). Em vez de se perguntar "qual?" ou "quanto?" a pergunta a fazer é "como?". Como é que as influências mútuas e interligadas da Natureza e o Cuidado contribuem para se compreender e explicar um comportamento ou uma forma de ser? Esta pergunta permite-nos ultrapassar as limitações desta dicotomia. Permite-nos procurar compreender que, relativamente a um qualquer comportamento, assim como a qualquer modo de ser, existe sempre uma profunda interacção entre o inato e o adquirido, entre as características biológicas e as características socioculturais, entre os elementos ligados ao funcionamento e maturação do corpo e as experiências de educação e aprendizagem.
 
A mesma influência hereditária pode dar origem a diferentes comportamentos quando em interacção com influências contextuais diferentes. Também as mesmas propriedades do contexto podem originar comportamentos diferentes quando interagem com as diferentes características biológicas ou genéticas dos organismos. Anastasi leva-nos assim a compreender que tanto a natureza/inato como o cuidado/adquirido têm sempre influências nos comportamentos dos seres humanos e que estas são sempre indirectas, que os efeitos das influências de um dos pólos vão sempre depender do que existe no outro pólo e de como os dois interagem. 
 
Podemos ver as influências mútuas e interdependentes da natureza/inato e do cuidado/adquirido no comportamento como organizando-se em dois contínuos. No que diz respeito às influências da Natureza alguns comportamentos aparecem-nos como menos mediados pelas características do contexto – por exemplo os movimentos que comandam a inspiração e a expiração ou o reflexo de sucção exibidos pelos bebés – enquanto outros são muito mais mediados pelas características dos contextos e das aprendizagens realizadas pelo indivíduo – pensa por exemplo no modo como te expressas verbalmente ou como te diriges ao teu professor na sala de aula. Quanto às influências das aprendizagens e das características dos diferentes níveis do contexto estas podem ser vistas como mais ou menos amplas. Uma influência mais ampla é aquela que afecta mais largamente o comportamento, que traz consequências importantes para a compreensão e explicação de um comportamento ou modo de ser de um indivíduo – vivenciar uma situação de abuso, ser sujeito a subnutrição, encontrar intimidade e compreensão numa relação amorosa são apenas três exemplos de muitos acontecimentos que podem ser marcantes e ter uma influência ampla no comportamento de alguém. Uma influência é menos ampla quando o seu impacto é mais transitório ou menos importante – um Inverno rigoroso ou uma nota fraca num teste podem ter influência no modo de ser e de se comportar de alguém mas em princípio o seu efeito será menos amplo. 
 
 
 
Monteiro, M., Ferreira, P.
 
 
 
“ Não se pode considerar o pólo da natureza/inato sem se considerar ao mesmo tempo o pólo do cuidado/adquirido, e vice-versa.” Comenta esta afirmação. (Deixa o teu comentário na caixa dos comentários.)
 

 

André Rocha disse...

Sendo as dicotomias ideias com dois pólos distintos aos quais não se consegue dar primazia a nenhuma delas, considero que a dicotomia Inato/Adquirido, apresenta-se como a principal e aquela que tem sido mais estudada e mais questionada de todas as dicotomias.
O que determina o nosso comportamento? Será o meio ou é a natureza? Somos biológica ou socialmente determinados?... Com base nestas e muitas outras perguntas, vários autores foram expondo as suas teorias com o objectivo de explicar o que influenciava o comportamento e as características do ser Humano. Uns apoiavam o pólo Inato e outros o Adquirido.
Vamos então começar pelo Inato, este indica que o comportamento humano e a personalidade são determinados geneticamente por hereditariedade dos progenitores. O comportamento é determinado por características que nascem com o ser humano (inatas). Portanto, segundo estes, o crescimento biológico do corpo e o desenvolvimento segue padrões definidos por programas genéticos. Vários foram os apoiantes deste pólo da dicotomia, como por exemplo Freud (pulsão de vida e pulsão de morte), Lorenz (comportamentos instintivos, apoia Freud), Gesell (diferenças entre os indivíduos devem-se a características inatas) e Changeux (homem como descodificação do genoma humano e também das funções do cérebro).
Na outra face da dicotomia encontra-se o pólo Adquirido que representa a educação e a influencia do meio ambiente. Estes dizem que os seres humanos são produto daquilo que aprendem e dos ambientes em que vivem, deste modo os autores que crêem no pólo adquirido tentam estabelecer ligações entre determinados comportamentos e determinados ambientes. Então, para estes, a nossa maneira de ser e de agir é influenciada pelo que aprendemos, pelas experiências vividas e pela nossa história pessoal. Os autores que apoiaram o pólo adquirido desta dicotomia foram: Watson (empirista, a influência da hereditariedade é irrelevante), Skinner (aprendizagem por condicionamento operante, importância de um reforço) e Bandura (aprendemos por observação/imitação de modelos).
Posteriormente surgiu Piaget que, com o auxílio de tecnologia mais sofisticada do que a existente no tempo dos outros autores acima referidos, pensou de forma diferente, procurou fazer uma síntese entre os dois pólos da dicotomia e concluiu que o sujeito tem um papel activo na construção do pensamento e do conhecimento. Nestes processos intervêm factores biológicos de maturação e factores relacionados com o meio, formando, então, a concepção interaccionista e construtivista contrariando assim o inatismo e o empirismo.
Como podemos ver, muitos são os autores que se debruçam nestes problemas, e resolveram alguns, porém a persistência de grandes dicotomias na evolução e confronto das “escolas” de pensamento da Psicologia é uma realidade.