O nosso bisavô de Viena
Por que motivo as teorias de Freud causaram (e continuam a causar...) tanta irritação e mal-estar, quando não perseguição e interdição (sob o nazismo ou o estalinismo), nas sociedades contemporâneas? Não certamente porque traziam novidade, eram contestáveis e continham análises erróneas. Não seguramente por motivos apenas científicos e metodológicos. Apesar do muito que mudou no período de tempo decorrido entre a transição do século XIX para o século XX e a entrada no terceiro milénio, a resposta pertinente as estas perguntas permanece inscrita nas palavras do seu amigo Stephen Zweig: "Inconscientemente, o mundo optimista e liberal sentia que aquele espírito que não aceitava compromissos minava inexoravelmente, com a sua psicologia das profundezas, a tese do crescente domínio exercido pela "razão" e pelo "progresso" sobre as pulsões, e que, devido à impiedosa técnica do desvelar, constituía um perigo para o método praticado por esse mesmo mundo, que consistia em ignorar o que era incómodo" (O Mundo dos Outros).
A contestação da teoria freudiana prolonga-se até aos nossos dias. A tal não é alheia a existência de cerca de oitocentas escolas de Psicoterapia no mundo contemporâneo, onde se confundem correntes ligadas à ciência e à racionalidade com práticas mágicas e religiosas que se reclamam da designação de Psicanálise. A herança de Freud passou sempre pela rejeição simultânea das práticas mágicas e dos limites positivistas da pura racionalidade cientista.
Freud e o inconsciente
Freud distinguiu três níveis de consciência, na sua inicial divisão topográfica da mente:
- Consciente - diz respeito à capacidade de ter percepção dos sentimentos, pensamentos, lembranças e fantasias do momento;
- Pré-consciente - relaciona-se com os conteúdos que podem facilmente chegar à consciência;
- Inconsciente - refere-se ao material não disponível à consciência ou ao escrutínio do indivíduo.
No entanto, o ponto nuclear da abordagem psicanalítica de Freud é a convicção da existência do inconsciente como:
a) Um receptáculo de lembranças traumáticas reprimidas;
b) Um reservatório de impulsos que constituem fonte de ansiedade, por serem socialmente ou eticamente inaceitáveis para o indivíduo.
A perspectiva psicanalítica de Freud surgiu no início do século XX, dando especial importância às forças inconscientes que motivam o comportamento humano. Freud, baseado na sua experiência clínica, acreditava que a fonte das perturbações emocionais residia nas experiências traumáticas reprimidas nos primeiros anos de vida. Desta forma, assumia que os conteúdos inconscientes, apenas se encontravam disponíveis para a consciência, de forma disfarçada (através de sonhos e lapsos de linguagem, por exemplo). Neste sentido, Freud desenvolveu a psicanálise, uma abordagem terapêutica que tem por objectivo dar a conhecer às pessoas os seus próprios conflitos emocionais inconscientes. Freud acreditava que a personalidade forma-se nos primeiros anos de vida, quando as crianças lidam com os conflitos entre os impulsos biológicos inatos, ligados às pulsões e às exigências da sociedade.
Considerou que estes conflitos ocorrem numa sequência invariante de fases baseadas na maturação do desenvolvimento psicossexual, no qual a gratificação se desloca de uma zona do corpo para outra – da zona oral para a anal e depois para a zona genital. Em cada fase, o comportamento, que é a principal fonte de gratificação, muda – da alimentação para a eliminação e, eventualmente, para a actividade sexual.